sábado, 24 de maio de 2008

Sem Medo de Ser Oposição - Entrevista com Márcio Leopoldo Maciel

Talvez o melhor exemplo de movimento estudantil acadêmico sério e sem interferência partidária seja o MEL (Movimento Estudantil Liberdade) da UFGRS. Em pouco tempo, contando unicamente com corajosos estudantes dispostos a fazer oposição ao uso político do DCE da UFRGS, o MEL conquistou um grande espaço na política estudantil da principal universidade do sul do país. Sem dúvida alguma o MEL é uma referência nacional e exemplo a ser seguido, principalmente no contexto da UCS, onde a dita “oposição” e seus antigos “líderes” não pensaram duas vezes antes de se vender a seus antigos “adversários”.

O Blog Direita da UCS entrevista Márcio Leopoldo Maciel, estudante de filosofia da UFRGS, Coordenador do MEL e membro do Conselho Universitário (CONSUN) na UFRGS. Márcio Leopoldo Maciel é um dos principais lideres do movimento e entrou no MEL antes da formação da chapa para o DCE em 2006. Segue a entrevista.


Como surgiu o Movimento Estudantil Liberdade?

O Movimento surgiu em março de 2006. Porém, eu não estava na fundação. Entrei em outubro daquele ano. O Mel começou com poucos colegas. Alguns deles haviam descoberto que o DCE utilizava um contador falso e queriam denunciar o fato. Havia e ainda há outro problema: o DCE é controlado por um grupo sectário que acabou afastando a entidade dos estudantes. Eu e outros entramos por essa razão. Montamos uma chapa para concorrer ao DCE e, desde então, somos a única oposição aos gestores da entidade.

O MEL prega o fim da intervenção ideológica e partidaria no DCE da UFRGS. No entanto vocês tem certos posicionamentos liberais. É uma contradição ou o MEL tem um posicionamento ideológico?

Olha, se eu adotasse a teoria do Fukuyama essa pergunta não seria problemática, entretanto, vou respondê-la sem adotar o fim da história. Em primeiro lugar, a distinção entre ideologia e partido, embora trivial, não é percebida a priori por todos. Alguns sequer a percebem a posteriori, mas nesse caso, o problema é cognitivo. O MEL é apartidário e não poderia ser diferente. Isso não é apenas uma determinação do grupo, é também uma constatação: a pluralidade do Movimento impossibilita uma partidarização. Não estou dizendo que os membros não possuam filiação partidária, nem que haja uma proibição. O Movimento não tem partido, seus membros podem ter, porém, há poucos que são ou se declaram filiados. Isso nunca foi discutido, nunca foi problema. Nenhum partido defende o que defendemos. Além disso, a maioria dos membros do MEL está mais focada nos problemas da universidade e naquilo que seria do interesse dos estudantes. Isso é técnico, não deixa espaço para uma visão partidária. Nesse ponto, há uma clara diferença entre o MEL e os gestores do DCE. Eles têm, em todas as questões, interesses maiores do que a própria universidade, nós não. Como membro do Conselho Universitário – CONSUN percebo melhor essa diferença. Há várias demandas que beneficiariam os estudantes e que são negligenciadas pelos representantes do DCE por razões que extrapolam o âmbito universitário. São questões que envolvem partidos ou posições na disputa interna da esquerda. Nós, por outro lado, não temos compromissos com a esquerda, direita ou com seus partidos. Também não temos compromissos com o que costumam chamar de movimento estudantil. Isto é, somos, desde o início, independentes. A partidarização do movimento estudantil sempre me pareceu prejudicial aos estudantes. Hoje eu tenho dados empíricos que comprovam essa minha impressão. Essa partidarização é o ponto em que a distinção entre ideologia e partido perde sua clareza. Olhando a história do país e comparando com a evolução das teorias marxistas constata-se que não poderia ter sido diferente. O aparelhamento das instituições foi, com o tempo, o meio que a esquerda adotou para chegar ao poder. De acordo com Gramsci, o objetivo deveria ser a conquista da opinião pública, ou seja, uma revolução democrática “sem recorrer à violência”. Mesmo os esquerdistas concordariam que essa revolução utilizaria a democracia para destruí-la ou, como eles costumam dizer, substituí-la. Ora, quem defende esse posicionamento acredita que é necessário construir um novo Estado, algo próximo daquilo que era defendido por Platão e, por óbvio, Marx. Eis aí um problema para o Estado: a democracia vigente pode permitir que grupos a utilizem para destruí-la? Esse impasse é significativo na teoria da justiça imaginada por Rawls, por exemplo. Creio que a teoria de Rawls é muito mais igualitária e social do que a marxista. Entretanto, ele nega que a democracia possa permitir sua própria destruição. Voltando ao foco da pergunta: o MEL defende o fim da intervenção partidária no DCE pelos motivos respondidos acima. Quanto à ideologia, eu não poderia dizer que o MEL não tem ideologia, pois isso seria impossível: todos nós temos alguma ideologia e estou falando especificamente do campo político. Também é verdadeiro que o MEL defende alguns posicionamentos liberais e defende o fim da intervenção ideológica no DCE, porém, isso não é contraditório. Somos contrários a um aspecto ideológico que é incompatível com o Estado vigente e, principalmente, com qualquer outra ideologia. Não há convivência entre o que é defendido pelo movimento estudantil tradicional e o Estado. Ou seja, o que é defendido por eles é uma teoria necessariamente fundamentalista. Excludente por que não aceita sequer que outras possam existir. O MEL não defende a imposição ideológica, no máximo pode ser dito que defendemos a reforma do Estado ou a implementação de políticas.


Marcio Leopoldo Maciel


“O DCE espalhou pela Universidade

um panfleto com a foto de um colega em que

estava escrito 'Líder do movimento racista'”


A questão das cotas raciais tem sido predominante na agenda política do movimento estudantil da UFRGS e do Brasil como um todo. O atual reitor da UFRGS já se posicionou favorável à adoção do regime. Com sua posição de imparcialidade comprometida, ter o reitor como adversário cria problemas para o MEL?

Não creio que o Reitor seja um adversário. Ele é um homem muito bem educado e, em certo sentido, muito competente. Gosto também da objetividade que ele possui, vai sempre ao ponto da questão. Tivemos problemas quando da aprovação do sistema de cotas. Naquele momento ele errou. Desrespeito o Regimento Geral da Universidade e o Estatuto do Conselho Universitário quando negou o direto de vista à colega Claudia Thompson. Olha, isso é muito grave. Por certo ele entrará para a história da Universidade por esse fato. É preciso ressaltar que houve uma pressão incrível da Reitoria para aprovar as cotas. Claro, ninguém estava sendo altruísta, o objetivo era receber o dinheiro do Reuni. É ingênuo pensar que as universidades possuem autonomia. Como o dinheiro vem do Governo Federal, aquilo que o presidente quiser, será aprovado.


O MEL dá suporte aos vestibulandos que tiveram sua entrada vetada na UFRGS por causa das cotas?


Sim. Os advogados do Movimento auxiliaram vários estudantes prejudicados pelo sistema de cotas. Alguns estão matriculados através de liminares. Outros já tiveram o mérito julgado e venceram a causa. É incrível a quantidade de estudantes matriculados pela via judicial. São mais de quarenta, não sei precisar o número, mas é absurda a situação. Temos uma dificuldade gigantesca para aumentar vagas na Universidade: uma vaga a mais é quase impossível, mas temos mais de quarenta matriculados em vagas inexistentes. O que fazer? Enquanto o Supremo não der uma resposta, ficaremos como eu disse numa reunião do CONSUN: cotas sociais, raciais e judiciais.

Ainda sobre as cotas. O integrante do Blog Direita da UCS, Matheus Marchioro, nos relatou como se deu a aprovação do sistema na UFRGS, visto que ele participou de uma manifestação contrária a implatanção de tal regime e também da votação, sendo ele e os demais contrários hostilizados. Poderia nos contar a visão do MEL sobre o fato?

Uma das características da discussão sobre a adoção do sistema de cotas foi, justamente, a ausência de discussão. Como eu costumo dizer: muito opiniático e pouco conteudístico. Não havia sólidos embasamentos jurídicos que garantissem sua legitimidade e constitucionalidade. Também não havia unanimidade dentro da universidade, mais especificamente no Conselho Universitário, órgão máximo de deliberação da UFRGS. A sociedade, em que pese os esforços da mídia, ficou em mesma situação de desconhecimento e irreflexão que tomou conta do meio acadêmico. Criaram uma situação em que todo aquele que discordava da medida era considerado moralmente mau e deveria ser penalizado. Houve muitas perseguições. Os defensores das cotas transformaram o terreno da discussão pública numa guerra de bugio. Até hoje desconheço os argumentos favoráveis ao sistema de cotas. Desconheço porque só ouvi opiniões não embasadas e julgamentos morais. Algo do tipo: se você é contra, deve ser bom, porém você não pode ser contra porque é errado. Tão circular que eu desisti e passei a estudar a fundamentação de Ações Afirmativas nos Estados Unidos para tentar entender. Curioso: alguns dos mais importantes argumentos utilizados aqui, como, por exemplo, aquele da “reparação histórica”, foram refutados e abandonados no sistema americano. Agora, tu vais discutir com alguém que acha que a razão (racionalidade) é coisa da direita?


Os contrários a aplicação das cotas tem sofrido algum tipo de ameaça?


Sim, todas as vezes que se posicionam contrários ao sistema de cotas, sofrem pressões. Sem nenhum critério lógico as pessoas contrárias as cotas são identificadas como sendo racistas. São perseguidas, caluniadas, difamadas. O DCE espalhou pela Universidade um panfleto com a foto de um colega em que estava escrito “Líder do movimento racista”. Devemos respeitar as pessoas que fazem isso com um colega? Um grupo que luta contra os preconceitos pode ser tão preconceituoso? Pode, como dirigente do diretório central dos estudantes, perseguir um colega? Pode mentir em nome dos seus ideais? Lembro de um caso que aconteceu há poucos anos. Alguns historiadores defenderam a teoria de que Zumbi dos Palmares era homossexual. Por incrível que possa parecer integrantes do movimento negro ficaram indignados. Disseram que era uma afronta a imagem do grande líder. É assustador que um movimento que diz lutar contra os preconceitos faça, exatamente, a mesma coisa.


Outro caso recente na UFRGS foram as manifestações neonazistas espalhadas pelo campus da Universidade. O MEL tem integrantes Judeus. Como se deu o fato e como esta a situação da apuração na busca pelos responsáveis?


Algo que me chamou a atenção sobre essas manifestações neonazistas ou sobre as famosas pichações foi o fato de terem sido absolutamente circunstanciais. Aconteceram, no caso das pichações, dias antes da votação do sistema de cotas. Não havia manifestações racistas antes na UFRGS. Não estou dizendo que não havia racismo, estou dizendo que isso não era manifesto descaradamente como ocorreu. Bom, alguns poderiam dizer, como realmente disseram: “isso ocorreu porque os racistas perceberam que os negros entrariam na Universidade e quiseram evitar isso”. “Eles ficaram desesperados”. Tudo bem, eu posso concordar com essas hipóteses. O racismo existe, é uma praga, uma estupidez; porém, será que a pessoa que pichou aquelas frases racistas, dias antes da decisão do Consun, não pensou que criaria uma reação contrária aos seus objetivos racistas? Isto é, não pensou que causaria uma comoção que ajudaria na adoção do sistema de cotas? Foi exatamente isso que aconteceu, não foi? Bom, alguns objetariam dizendo que se o cara é estúpido a ponto de ser racista, não pensaria nisso. Concordo, é preciso ser burro para ser racista. Mas não é preciso ser inteligente para saber que ao pichar aquelas frases criaria uma revolta na sociedade. Mas tudo bem, partamos do pressuposto de que foi um racista o autor das pichações. Por que ele parou? Não houve nenhuma pichação após a aprovação do sistema de cotas. Nada. Por quê? Se esse cara é tão racista a ponto de fazer a pichação por haver a possibilidade de aprovarem o projeto de cotas, agora que o projeto foi aprovado, por que ele não manifestou ainda mais o racismo? Não sei responder. Acho muito estranho o momento em que ocorreram as pichações. Por exemplo, as pichações nazistas só apareceram na época da eleição para o DCE. Picharam nossos cartazes com a suástica. Havia vários judeus na nossa chapa, mas nenhum deles levou a sério. Era factóide político. Sabemos de onde partiram essas pichações. Essa última eleição foi uma sujeira. Chegaram a agredir (verbalmente) um colega da nossa chapa. Disseram que ele era um negro traidor. Uma menina branca disse que ele era um falso negro por ser contra as cotas. Por isso, não creio que estejam apurando os fatos ou buscando responsáveis, seria quase impossível nesse nível de fanatismo. Não podemos nos esquecer que para os nazistas na Alemanha de Hitler, “nazistas” eram os outros.


O MEL perdeu novamente a eleição para o comando do DCE da UFRGS. Como é fazer uma campanha contra verdadeiras máquinas ideológicas e partidarias que apoiam as outras chapas?


Quase impossível, mas muito gratificante. Olha, perdoe se eu estiver ignorando algo, não posso saber o que acontece em todas as universidades do país. Porém, não acredito que exista algum Movimento igual ao nosso no Brasil. Isto é, que defenda o que defendemos e que tenha a projeção que conquistamos. Onde poderemos encontrar um movimento estudantil que fale em empreendedorismo? Que fale no IEE? Que critique as Faculdades de Educação? Quem tem coragem para criticar Paulo Freire? Além disso, acho significativo que, mesmo defendendo o que defendemos, conquistamos um espaço considerável na UFRGS e fora dela. Já tivemos reuniões com membros da FARSUL, do IEE, do IL, do Instituto Friedrich Naumann, do SINEPE. Enfim, recebo manifestação de apoio de todos os cantos do país. A existência de um grupo como o nosso e a aceitação dentro da Universidade pode significar que as trevas e o infantilismo esquerdista estão ficando para trás. Na eleição de 2006 fizemos mil votos, em 2007, quase dois mil. Considerando os nossos adversários e suas táticas, no mínimo, criminosas, nossas votações são expressivas. Como você disse, são verdadeiras máquinas. É difícil descrever o poder econômico que eles possuem. Mesmo assim, sem o domínio da comissão eleitoral eles perderiam as eleições. Eles precisam forjar votos, evitar que os nossos apoiadores votem, fazem todo tipo de fraude para manter o poder.


Qual a avaliação do MEL sobre a atual direção do DCE da UFRGS?

São anacrônicos, por isso são sectários. Não pertencem ao nosso tempo. Ficaram em algum lugar do passado ao lado de Althusser, Gramsci e Marcuse. Em alguns momentos eles assustam porque em quatro páginas de um Foucault mal lido concluem que devem destruir a civilização ocidental. É engraçado, mas um tanto perigoso.


Novas eleições pra reitoria da UFRGS estão ai. O MEL tem alguma preferência entre os candidatos a reitor? Por que?

Não temos. A campanha apenas começou e não foi possível saber o que os candidatos defendem. Além disso, não sei se o movimento apoiará algum candidato.

Clique AQUI e confira o blog do MEL

2 comentários:

Unknown disse...

o engraçado é esse márcio leopoldo falando que o mel é apartidário, isso quando os "advogados do movimento" que ele falou estariam auxiliando aqueles que rodaram no vestibular são fornecidos pelo PP... enquanto que outros membros admitem terem recorrido a partidos de direita para financiar as campanhas, além do que, sua chapa foi composta de acordo com filiação partidária da executiva... aliás, engraçado MESMO é como são só os outros que são movidos por uma máquina partidária, e eles não... por essas e outras, esse movimento NUNCA vai ganhar eleições na ufrgs... abraços... (se não apagarem essa postagem, obviamente)

Anônimo disse...

Importante destacar que o MEL tem a participação do nosso correspondente na UFRGS, Mateus Marchioro, que está impossibilitado de atuar mais aprofundadamente no blog, devido sua estada na Itália.

Mas quanto ao que disse o "opassamai", fica a pergunta:

Infelizmente não tenho conhecimrnto para falar do movimento estudantil na UFGRS, mas já que você contestou fortemente que o MEL seja "apartidário", questiono as fontes dos recursos do movimento do qual ele faz parte, bem como do por que a situação na UFGRS foi contrária ao voto via "portal do estudante"?

Desde já grato pela resposta, bem como parabenizando pela postagem,


Biano